quinta-feira, 11 de julho de 2013

PEDRAS POR LÁGRIMAS




- Mas trocaram porquê?
- Eu gostei do trabalho e falei com ele.
- Não querias gastar dinheiro?
- Não é isso, pareceu-me que ele também gostou do meu trabalho.
- Sim, e depois?
- Propus-lhe trocarmos e ele achou boa ideia.
- Tinha o mesmo valor?
- O quê?
- O que trocaram.
- Não interessa. Trocámos e pronto. Eu escolhi o que eu quis e ele escolheu o que gostou.
- Artistas…
- Que é que tu querias, que fizéssemos contas, era? Foi interessante, gostámos do trabalho um do outro e trocámos, peça por peça.
- E afinal trocaram o quê?
- Eu fiquei com uma pedra
- Ai! Uma pedra?
- Sim, uma pedra da calçada.
- Mas para que raio queres tu uma pedra da calçada? Tu és doido!
- Quer dizer, a pedra da calçada tem a ver com fazer a revolução.
- Só conheces é gente doida, tu não melhoras nada. E ele ficou com o quê?
- Lágrimas.
- Não percebi.
- Gostou das lágrimas que eu faço.
- Quer dizer, trocaste uma pedra da calçada por lágrimas. É isso?
- Exacto.
- Tu não vês nisso, nada de irónico, nem de sinistro, pois não?
- Realmente ficou um bocado estranho.
- Tens a certeza que foi um acaso?
- Já te disse que foi. Eu gostei das pedras ainda antes de conhecer o significado.
- O significado?
- O significado que ele dava às pedras e ele gostou das lágrimas antes de saber que eu gostava das pedras da calçada. Foi mesmo um acaso!
- Não sei se me convences. Vocês artistas são uns esquisitos. Trocam lágrimas por pedras e pedras por lágrimas. São mesmo esquisitos!
- As minhas lágrimas, são sofrimento. As pedras dele são revolta. Trocámos e pronto!
- Ouve lá. Deixa estar as pedras da calçada sossegadas e chora p’rái, mas não chateies ninguém, está bem?
- Pois acho que nem eu nem ele, concordamos com isso.


Um abraço ao António Caramelo que conheci na Feira Laica, quer dizer, na Feira Morta.

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