PEDRAS POR LÁGRIMAS
- Mas trocaram porquê?
- Eu gostei do trabalho e falei
com ele.
- Não querias gastar dinheiro?
- Não é isso, pareceu-me que ele
também gostou do meu trabalho.
- Sim, e depois?
- Propus-lhe trocarmos e ele
achou boa ideia.
- Tinha o mesmo valor?
- O quê?
- O que trocaram.
- Não interessa. Trocámos e
pronto. Eu escolhi o que eu quis e ele escolheu o que gostou.
- Artistas…
- Que é que tu querias, que
fizéssemos contas, era? Foi interessante, gostámos do trabalho um do outro e
trocámos, peça por peça.
- E afinal trocaram o quê?
- Eu fiquei com uma pedra
- Ai! Uma pedra?
- Sim, uma pedra da calçada.
- Mas para que raio queres tu
uma pedra da calçada? Tu és doido!
- Quer dizer, a pedra da calçada
tem a ver com fazer a revolução.
- Só conheces é gente doida, tu
não melhoras nada. E ele ficou com o quê?
- Lágrimas.
- Não percebi.
- Gostou das lágrimas que eu
faço.
- Quer dizer, trocaste uma pedra
da calçada por lágrimas. É isso?
- Exacto.
- Tu não vês nisso, nada de
irónico, nem de sinistro, pois não?
- Realmente ficou um bocado
estranho.
- Tens a certeza que foi um
acaso?
- Já te disse que foi. Eu gostei
das pedras ainda antes de conhecer o significado.
- O significado?
- O significado que ele dava às
pedras e ele gostou das lágrimas antes de saber que eu gostava das pedras da
calçada. Foi mesmo um acaso!
- Não sei se me convences. Vocês
artistas são uns esquisitos. Trocam lágrimas por pedras e pedras por lágrimas.
São mesmo esquisitos!
- As minhas lágrimas, são
sofrimento. As pedras dele são revolta. Trocámos e pronto!
- Ouve lá. Deixa estar as pedras
da calçada sossegadas e chora p’rái, mas não chateies ninguém, está bem?
- Pois acho que nem eu nem ele,
concordamos com isso.
Um abraço ao António Caramelo
que conheci na Feira Laica, quer dizer, na Feira Morta.
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